Toda empresa familiar tem um componente emocional que é intrínseco ao negócio: elas são as chamadas “empresas com alma”, onde o coração fala tão alto quanto os números. Mas, conforme a mudança de geração se aproxima, existem situações em que, por razões diversas, não há (boa) perspectiva de continuidade do negócio sob o controle da família e a melhor medida a ser tomada é vendê-lo.
O desafio, no entanto, é ter essa realidade identificada com antecedência e preparar-se com o devido tempo para que a família não perca duas vezes; primeiro, ao desprender-se da atividade que ajudou a construir a sua identidade e, segundo, ao ter o seu patrimônio prejudicado por uma venda mal planejada.
A história de diversas empresas familiares é muito semelhante. O jovem empreendedor começou o negócio com recursos escassos e alta dose de coragem e determinação. Ao longo do tempo o negócio se desenvolveu muito centrado na figura do patriarca, a quem coube direcionar os rumos da empresa, superando os inúmeros desafios que o nosso complexo sistema econômico e jurídico impõe à jornada de qualquer herói que se arrisca a empreender no Brasil.
Após diversos anos de erros e acertos (esses certamente em maior número, do contrário a empresa já seria mera estatística), invariavelmente chega o momento em que a sucessão do fundador se torna questão central na continuidade da empresa familiar. Aí surge a primeira e relevante questão a ser respondida: a família empresária se preparou para a passagem do bastão?
Por preparação entenda-se, nesse contexto, sobretudo a capacidade de desenvolver novas lideranças entre os sucessores. Simplesmente integrar o quadro de colaboradores do negócio não costuma ser suficiente para que sejam desenvolvidas todas as habilidades exigidas para que a empresa familiar seja perene. Além de formação acadêmica e profissional, é necessário que gradativamente os sucessores tenham voz ativa dentro do negócio e participem efetivamente das tomadas de decisões. Divisão de atribuições com clareza também é desejável.
Muitas famílias exigem que os sucessores adquiram “rodagem” no mercado, para então, com maior experiência, ter legitimada a capacidade de assumir gradativamente o controle da gestão da empresa.
A preparação pode consistir, ainda, em inserir profissionais de mercado na gestão da empresa, amparado por um sistema de governança que possibilite aos membros da família ter um nível adequado de informações sobre o andamento do negócio. Nesse cenário, possibilita-se que os membros da família que possuem outros interesses não necessitem estar dentro da empresa como colaboradores para influenciar as suas decisões, sobretudo as estratégicas.
Ocorre que, no dinâmico ambiente empresarial atual, para a empresa familiar manter-se competitiva e atualizada é necessário, em muitos casos, implantar mudanças que necessariamente implicam em questionar práticas que vinham dando certo até então. Aí surge aquele que pode ser o primeiro grande entrave: como conduzir esse processo sem ferir a autoridade (e o ego) do fundador? A falta de habilidade na condução dessa questão pode resultar no boicote por parte do patriarca ao processo de sucessão, prejudicando seriamente a continuidade da empresa a longo prazo.
Ainda que existam sucessores capacitados, e disposição por parte do fundador em iniciar o processo de sucessão, outros fatores podem ter grande importância na perenidade da empresa familiar, tais como o acirramento da concorrência no nicho de atuação, necessidade de capital intensivo e oportunidades de crescimento.
A tendência natural, sobretudo nas empresas desprovidas de regras de governança adequadas, é que na mudança de geração aumente o número de familiares envolvidos na gestão do negócio, exigindo que este tenha um porte condizente com a nova realidade, o que nem sempre ocorre. Por essa e outras razões a capacidade de crescimento da empresa familiar pode ser relevante para a sua continuidade.
Proteção do patrimônio
Outra questão relevante no planejamento da sucessão e na decisão de continuidade da empresa sob o comando dos sucessores, como sócios e/ou administradores, é a proteção do patrimônio da família. Num país onde o princípio da responsabilidade limitada tem sofrido cada vez mais restrições na sua aplicação, por mais eficiente que seja o planejamento patrimonial, não há estrutura que seja totalmente imune aos riscos advindos das atividades desenvolvidas pela empresa familiar.
Nesse contexto, migrar para uma atividade que tenha menor nível de exposição a tais riscos é algo que pode fazer sentido para determinadas famílias, a depender dos interesses pessoais e coletivos de seus membros. De qualquer modo, planejar a gestão do patrimônio da família é fundamental para protegê-lo e fazê-lo crescer ao longo do tempo.
Todas essas questões, preferencialmente, deveriam ser estudadas e debatidas com frequência. O planejamento estratégico da empresa familiar envolve também a sua eventual venda. Se por quaisquer das razões elencadas acima (ou outras) a decisão for de vender o negócio, é recomendável que a conclusão seja resultado da reflexão do maior número possível de membros da família que serão afetados pela transação, e que haja planejamento prévio, tanto para a forma de condução do processo de venda quanto para a destinação dos recursos oriundos desta, evitando-se conflitos desnecessários.
A continuidade da empresa familiar representa a perpetuação de um legado, mas é importante que os membros da família tenham em mente que, ainda que a empresa deixe de ser um dos vínculos que os une, outros persistirão. No fim, independentemente de qual seja a decisão, o ativo mais valioso da família que deve ser preservado é a harmonia entre os seus membros, por isso planejamento é essencial.
Fonte: https://www.conjur.com.br/2018-set-23/gustavo-ribeiro-planejamento-estrategico-empresa-familiar