Compliance para pequenas e micro empresas: vital ou letal?

Compliance para pequenas e micro empresas: vital ou letal?

Ouve-se, cada vez mais, falar em programas de compliance. Sem dúvida, a promulgação da Lei 12.846/2013 (Lei da Empresa Limpa ou Lei Anticorrupção, cujas origens remontam a Convenção da OCDE de 1997) e a do Decreto 8.420/2015 (Decreto que regulamentou a Lei de 2013) desempenharam um papel primordial para a difusão do termo compliance no vocabulário jurídico-empresarial, introduzido inicialmente com as modificações na Lei 9.613/1998 (Lei sobre a Lavagem de Dinheiro) realizadas pela Lei 12.683/2012.

O compliance desponta efetivamente no cenário brasileiro em meio a crise política e econômica atual. Há um depósito de confiança muito grande no compliance em nosso país. Tanto que a própria Lei da Empresa Limpa e o Decreto que a regulou preveem que implementação de um programa de compliance efetivo (medidas de integridade efetivas) é causa de redução de multa imposta quando uma pessoa jurídica é condenada pela prática de atos lesivos à administração pública (nacional ou estrangeira). Multas empresariais vultuosas (de um 0,1% a 20% do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos) podem ser reduzidas de 1% a 4% caso o ente coletivo possua e aplique um programa de integridade de acordo com os parâmetros estipulados. Ademais, cumpre lembrar que os programas de compliance visam a evitar a prática de atos ilegais e, portanto, quando corretamente implementados, diminuem o risco de sanções.

Engana-se, contudo, quem pensa que somente corporações de grande e médio porte deveriam ter um programa de compliance efetivo. Basta pensar que a Lei da Empresa Limpa não faz qualquer distinção, englobando tanto grandes como pequenas e médias empresas. E afastando qualquer dúvida da necessidade de implementação de um programa de compliance pelas pequenas e micro empresas, foi emitida a Portaria Conjunta N. 2.279/2015 entre a Controladoria-Geral da União e a Secretaria da micro e pequena empresa, estabelecendo parâmetros menos complexos na avaliação das medidas de integridade (programas de compliance) das pequenas e micro empresas: exigem-se, apenas, o relatório de perfil e o relatório de conformidade. Deve-se entender, assim, que um bom programa de compliance para pequenas e micro empresas precisa conter apenas um relatório de perfil (especificando áreas de atuação, responsáveis pela administração, quantitativo de empregados e estrutura organizacional e nível de relacionamento com o setor público) e um relatório de conformidade (relacionando e demonstrando o funcionamento de medidas de integridade adotadas e demonstrando como as medidas de integridade contribuíram para a prevenção, detecção e remediação do ato lesivo objeto da apuração).

O alarmante número de condenações de pequenas e micro empresas, sem dúvida, corrobora a necessidade de implantação de programas de integridade. Das 34 multas aplicadas até o momento com base na Lei da Empresa Limpa, 14 recaíram sobre pequenas e micro empresas, perfazendo mais de 40%; das 9 publicações extraordinárias de condenação, 6 referem-se às pequenas e micro empresas, representando quase 70% do total1. Resta clara a orientação da administração pública em punir, sem qualquer distinção, pequenas e micro empresas. Este quadro prático, somado com o legislativo, evidencia a urgência de programas de compliance para nos pequenos negócios.

Mas nunca é demasiado lembrar que a implementação de um programa de integridade envolve custos. Na maioria das vezes, o valor despendido para criar, implementar e alimentar o programa de compliance efetivo é alto. Por outro lado, é consolidado que o no compliance é muito mais caro do que o compliance.

Transpondo esse entendimento para pequenas e micro empresas em um cenário de crise econômica, percebe-se o quão difícil é a decisão que elas devem tomar: ou despendem somas para implementar um programa de integridade efetivo para mitigar possíveis sanções e suas consequências econômicas (aplicação de multas, impossibilidade de contratar com o governo) e de reputação (publicação da sentença condenatória, inscrição em cadastros de inidoneidade) ou poupam o dinheiro e correm o risco de serem sancionadas.

Essa análise de custo-benefício é ainda dificultada pela maior dificuldade de que essas empresas possam firmar acordos de leniência, pensados basicamente para os casos em que grandes companhias estejam envolvidas.

Diante do quadros apresentados, surgem fundadas dúvidas sobre a excessiva onerosidade advinda da introdução do compliance nas pequenas e médias empresas. Isso é atiçado pelo fato de elas representarem 99% do número total dos quadros empresariais brasileiros e 52% dos empregos com carteira assinada2. A pergunta que paira é até que ponto isso não colabora mais ainda para o aumento da crise que nos encontramos, tendo em vista possíveis reflexos em empregos (diretos ou indiretos) e na movimentação da economia nacional. Dito de outro modo: até que ponto essa aplicação indistinta a empresas de pequeno e médio porte não está gerando mais malefícios do que benefícios? E mais: não seriam necessárias adaptações e correções na legislação posta?

Todas estas constatações e inquietações acabam por desembocar na seguinte indagação: os programas de compliance para micro e pequenas empresas são vitais ou letais? Embora seja uma decisão delicada a ser tomada pela pessoa jurídica de menor porte tendo em conta os custo envolvidos, a análise empírico-legislativa nos leva a concluir pela sua essencialidade também nas pequenas e micro empresas. Vale o velho dito popular: prevenir é melhor do que remediar.

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